10 de set. de 2007

Barulhos de louça, risadas abafadas, arrastar de cadeiras.

Tudo era negro quando o rapaz surgiu em meio à fumaça dos charutos. Trazia uma cadeira, que colocou no centro do palco vazio, em cima da marca de giz. A larga peça de madeira causava estranheza à pequena platéia, ao contrastar com o metal reluzente da bateria e com a robustez do contrabaixo encostado na parede, dando de costas para mim. Aquela cadeira, sisuda e firme, sozinha.

Passos secos na madeira do palco. Em silêncio um negro alto e magro de camisa branca, colete e boina marrom, caminha em direção ao contrabaixo e o agarra, colocando-se em posição de combate. Dois senhores de terno cinza, com não mais de um metro e setenta entram logo atrás, seguidos pelo persistente barulho dos sapatos na madeira seca, empunhando o primeiro um trompete e o segundo um sax alto. O que tinham de pouca altura compensavam em estilo, o corte perfeito dos ternos. O reflexo do lustre de teto na polidez do sax estoura nos olhos por um instante. Sentam-se em bancos altos e olham para o nada, com seus instrumentos repousando no colo. O mais baixo deles, no sax, mexe a língua dentro da boca incessantemente.

Do outro lado do pequeno palco em silêncio, com baquetas na mão esquerda e uma toalha branca na direita, entra um jovem branco, goma no topete, sapatos bicolores. Arremessa-se um assovio curto. Senta-se à bateria, olha para baixo, para cima e toca, pausadamente, todos os dois pratos, a caixa e o ton com as mãos. Move a antiga banqueta em uma posição acima e aguarda, olhando para o baixista, ambos imóveis.

A cadeira no centro do palco ainda vazia, cada vez mais vazia. Uma mudança de sombra na fumaça dos charutos revela, atrás dos sopros, um piano pequeno e negro. À frente dele, sentado ali não se sabe desde quando, um rapaz de óculos e cabelo crespo, pequeno e negro. Terno escuro maior do que deveria.

O único som da casa vinha dos 2 ventiladores de teto, que, quase parados, faziam ruído a cada giro, ao puxar o parafuso espanado na madeira podre do teto. De barulho, era tudo. O que mais havia era visual, olfativo ou tátil. A banda imóvel, seus instrumentos mudos, a fumaça dos charutos, a goma no topete, a língua incansável, o cheiro de uísque barato na madeira úmida, os sapatos bicolores, o corte perfeito do terno, o reflexo do sax alto, os fiapos do veludo da boina marrom.

Silêncio.

Espera.

O filamento incandesce devagar e a luz amarela vem do teto, forte, iluminando a madeira da cadeira vazia. E dando cor à fumaça dos charutos.

Ela entra, já senhora e obesa, caminhando devagar e rangendo as tábuas, com alguma dificuldade, envolvida pelo vestido azul, longo e brilhante e se senta pesadamente na cadeira.

Palmas, assovios, batidas de pé no assoalho e risadas inflam o pequeno clube até que o mesmo garoto do começo, o da cadeira, vem e lhe entrega o microfone, fazendo o silêncio voltar.

Uísque caindo no copo.
Charutos sendo acessos.

Ela leva o microfone até a boca de batom escuro. Microfonia. Ela olha de lado para o garoto da cadeira, ele, nervoso, desenrola fios e mexe nos canais da caixa de som. Puxando de volta o silêncio, que apareceria pela última vez naquela noite.

Aí então ela canta e a banda segue. E as cores, texturas, gostos e cheiros morrem.

E ninguém nunca tinha ouvido uma voz daquelas antes.

4 comentários:

Bigode disse...

Bela descrição, meninão. Onde foi isso? Não vai dizer que foi só na sua cabeça...
Abraço!

Natalia disse...

gostei :)

semudei disse...

Olha, seus textos surgem quando se menos espera, ou quando não se espera mais nada. Porém, a surpresa é sempre boa.

Bacana esse estilo conciso. Copiou de quem?

Fecespedes disse...

Devo ter copiado de alguém, mas não lembro de quem não...

Pior q foi só na minha cabeça memo, viu bigode!