Estou ficando velho. E como todo velho, estou me tornando especialista em reclamar. Às vezes tenho medo do velho que serei daqui a uns 50 anos, quando for velho de verdade. Talvez me torne insuportável para a sociedade e seja obrigado viver numa chácara rodeado apenas de cachorros, reclamando de latidos o dia inteiro. Ou talvez eu me torne um daqueles ‘loucos da sucata’ que saem no jornal às vezes quando a vigilância sanitária encontra carros antigos, sofás velhos, ratos, sacos de lixo do vizinho e outras toneladas de entulho em seu quintal, exalando pestilência bairro afora. De qualquer maneira, uma das minhas diversões atuais é reclamar.
Hoje meu alvo é você, com seu celular biônico ou câmera de 18 megapixels, que insiste, como uma horda de chineses no Louvre, em tirar foto e filmar todo e qualquer evento que participe. O que você quer com isso? Fazer um backup de tudo que já viu de interessante na vida? Provar para seus amigos no orkut que você foi naquele show ou naquele jogo? Não te entendo...
Resolvi levar minha ira à tela deste blog depois de ter ido ao show de Chemical Brothers, anteontem (para provar tenho o ingresso e 4 testemunhas). Além da música , as grandes atrações do show foram um telão enorme de absurda resolução, que passava projeções muito bem criadas e o jogo de luz, com canhões a laser e outras parafernálias. Todos os aparatos, somados à música, formou um show audiovisual dos melhores. Som e luz trabalhando juntos para deixar o povo louco por 1 hora e meia.
Mas muita gente não viu isso. Muitos preferiram registrar o telão com suas cybershots, em gravações tremidas, sem foco, sem luz, sem som, sem nada. Um grupo passou mais de 15 minutos tentando tirar uma foto deles com o palco ao fundo...colocavam flash e o rosto explodia em branco. Não colocavam, tudo tremia e nada aparecia além do telão. Depois de muito tempo, conseguiram uma foto sofrível para o orkut, em troca perderam irrecuperáveis 15 minutos da apresentação que pagaram e esperaram tanto pra ver.
Bom, na verdade, os 15 minutos podem sim serem recuperados. É só acessar o utube, onde, por sorte, estará a gravação deste mesmo show, se alguém mais tiver também perdido a apresentação para filmá-la.
É isso o que acontece hoje em dia: perdemos os shows, os jogos, os filmes, as peças (a vida?) para que possamos registrá-los para assistir depois. Ou pior, às vezes só para mostrar que fomos. Trocamos o ao vivo, o real, a experiência pelo estático, o gravado, o falso.
É mais importante ter registrado na câmera do que na cabeça. Já não basta assistir tv em casa. A moda é levar a tv pra rua, e empobrecer tudo o que podemos sentir ao vivo, enquadrando as experiências num lcd de 5 polegadas.
Minhas recordações de shows estão numa caixa de uísque. São restos de ingressos, que se despedaçaram dentro dos bolsos durante cada música. E eles têm cheiro, som e cor.
Não esperava ficar velho aos 24.
9 de nov. de 2007
A vida por uma Carl Zeiss
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6 comentários:
Caraio. Muito bom.
As pessoas têm cada vez mais histórias pra contar de coisas que elas nem ao mesmo viveram. Neguinho tem a foto, mas não lembra de mais nada além disso. Se a foto for uma lembrança que te faz lembrar de várias outras coisas que sem ela vc nao lembraria, aí sim. Mas se a foto for sua única lembrança, amigo, é sinal de que sua câmera está aproveitando a vida bem melhor do que você.
VELHO É A MÃE! Eu lembro de cada minucioso minuto de meus 20 e quase 9 anos, mas não de onde larguei minha câmera.
uma vez, eu estava comendo uma maçã e entrou uma luz pela janela que inundou tudo: eu, a maçã e a sala inteira. era um raio gordo e bem-definido, desses que deus manda pra terra e que, se acontecem bem na sua frente, vc consegue enxergar o pó voando através dele (hoje sei que é poeira; de criança, gostava de imaginar que eram micróbios. eu adorava a idéia de poder enxergar micróbios).
enfim, eu lembro desse momento perfeitamente, das cores, dos contrastes, das sombras e do que senti. foi uma das coisas mais bonitas que já vi. e sabe o que é curioso? que câmera nenhuma, por melhor que ela fosse e por mais foda que fosse o fotógrafo, conseguiria registrar esse momento como ele aconteceu dentro da minha cabeça.
essa imagem mental é uma coisa minha e só minha. e só aconteceu porque não me preocupei em registrá-la. e, não me preocupando, consegui registrá-la dum jeito que suporte nenhum conseguiria. só tem uma coisa chata sobre isso: é uma imagem que eu nunca vou poder dividir com vc, por mais que eu tente descrevê-la. mas o legal é que vc também cria suas próprias fotos mentais e registra as coisas com todas as cores, cheiros, sons e outros estímulos que elas oferecem.
um viva à sinestesia mental que, grazadeus, nunca será substituída por tecnologia alguma... e meus pêsames a quem acreditar que será.
Os 24 são recém chegados? PArabéns, entonces!
Palavras obcenas e não "obscenas"
Ah, nevermind, consultei um dicionário.
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