1 de mar. de 2010

Jogo da vida



nascer,
chorar,
ser batizado,
comer,
chorar,
dormir,
crescer,
comer,
ir à escola,
duvidar de tudo o que qualquer pessoa com mais de 1,60m disser a você porque essa pessoa será um adulto e você nunca será um adulto porque adultos só pensam em regras e no que está certo ou errado enquanto deveriam estar mais preocupado com a quantidade de tatus-bola embaixo da pedra do jardim da escola,
crescer,
correr,
descobrir,
revoltar-se,
querer,
comprar,
estudar,
esquecer de tudo o que você gostará de verdade e escolher uma profissão cujo vestibular será fácil o suficiente para conseguir entrar e difícil o suficiente para garantir que você não será ridicularizado por seus amigos de cursinho, numa área que trará dinheiro, estabilidade e que estará o mais longe possível de qualquer aplicação prática da trigonometria,
estudar,
fazer sexo,
conhecer,
beber,
trabalhar,
viajar,
experimentar,
alterar a consciência,
namorar,
terminar o namoro,
namorar outra,
escolher um carro preto com engate e vidros escuros que você poderá pagar em suaves prestações mais a entrada que você guardará do seu estágio para tirar você do inferno do transporte público e colocar você no inferno do transporte privado e que não se desvalorizará muito no momento de trocar por um outro carro preto,
se formar,
trabalhar,
casar,
financiar uma casa,
trabalhar,
ser promovido,
trocar de carro,
esquecer a idéia de abandonar sua esposa porque, afinal, vocês já estarão juntos há muito tempo, farão sexo 2 ou 3 vezes por semana e ela tolerará que você jogue bola às terças e tome cerveja às quintas, enquanto você imaginará que ela esteja tomando margaritas com as amigas mas no fundo saberá que ela está neste exato momento cobiçando algum outro homem que bem poderá ser um dos que joga bola com você na terça à noite, o que o levará à atormentante dúvida que é saber se ela tomará coragem e irá trepar com o desconhecido, dúvida a qual, considerando que possivelmente ela será mulher tanto quanto você será homem, já tem resposta pronta,
ter um filho,
esquecer de como você era há 30 anos,
trabalhar,
ter outro filho,
trocar de casa,
trabalhar,
escolher o melhor plano de previdência privada tentando não boicotar financeiramente aquela viagem pra Fiji que você prometerá a si mesmo há 15 anos, afinal, já estará na hora de pensar um pouco em você, embora sua esposa diga que é hora de pensar no futuro da família já que estudo de qualidade é caro e as crianças precisarão estar preparadas,
trabalhar,
engolir à seco,
ser promovido,
comprar uma casa na praia,
trabalhar,
ganhar uma placa de metal com seu nome escrito em letra cursiva embalada numa caixa de veludo azul com fecho dourado e o direito a escolher um prêmio do catálogo de presentes do RH dentre os quais você acabará escolhendo o binóculo enxergando nele a secreta possibilidade de transgredir as regras de convivência do seu condomínio discutidas e estabelecidas na terça-feira durante a última assembléia geral na qual você e seu voto vencido estiveram presentes,
aposentar-se,
ler o jornal,
assistir o jornal,
ouvir o jornal,
entediar-se,
escolher um hobby relativamente caro que despertará o sentimento de que os anos trabalhados finalmente valeram a pena e que resgatará minimamente a lembrança das escolhas que você não fez décadas atrás mas que ao mesmo tempo não trará estas lembranças tão forte a ponto de você se arrepender de não ter escolhido diferente,
arrepender-se,
entediar-se,
ter um neto,
ao vê-lo, lembrar de como você era há 60 anos e verá que seu filho se tornou um adulto de merda e entenderá que a culpa foi sua pois você, outro adulto de merda, criou seu filho com os mesmos medos que seu pai criou você, então você usará os momentos que terá com seu neto para fazê-lo enxergar que ele poderá fazer diferente, desgastando assim a relação com o adulto do seu filho,
caminhar com dificuldade,
entediar-se,
ler o jornal com dificuldade,
não poder mais ouvir o jornal,
adoecer,
no último minuto você sentirá o último minuto chegando e se verá obrigado a fazer uma retrospectiva, tão pretensa e falsamente poética quanto possível, de todos os momentos da sua vida e filosofar como cada escolha diferente poderia ter alterado tudo para o bem ou para o mal, quando você finalmente perceberá que não tem essa de bem ou mal, as coisas simplesmente aconteceram e no último segundo você terá alguma rápida revelação que supostamente esclarecerá toda a trajetória da sua vida, contanto que neste segundo derradeiro você esteja atento aos seus pensamentos e não pensando porque a televisão do quarto do hospital está passando um programa de culinária,
morrer.

13 comentários:

dell disse...

Divinamente lindo.
Sexo 2 ou 3 vezes por semana?

Bigode disse...

E se morrer antes de alguma das etapas, é uma falha?

M.T.C. disse...

Faltaram as cercas brancas.

Mas está foderoso.

Toledo disse...

Este de cima sou eu também.

Ao fechar a janela pensei que se eu copiasse o teu texto em um email e assinasse luis fernando verissimo ou arnaldo jabor seria uma conrrente de muito sucesso. Provavelmente eu receberia de volta daqui a uns dois meses, da minha mae, com o titulo "Fwd: Jogo da vida (Lindo! leia)"

Isto foi um elogio também.

abs!

semudei disse...

acabei de escrever um texto no meu blog. mas depois de ler o seu, estou seriamente pensando em deletá-lo. o blog, e não só o último texto.

Fecespedes disse...

Menino: não faça isso.
Toledo: faça isso.

[]s

Brun~ disse...

Life's a bitch. Fuck her.
No mais, adorei o texto, tô muito satisfeito com o momento de inspiração literária dos meus amigos (curti muito os novos do Tristão) e é isso.
Vamos tentar evitar essa baboseira toda, não?
Abraço!

Natalia disse...

Choose life. Choose a job. Choose a career. Choose a family. Choose a fucking big television, Choose washing machines, cars, compact disc players, and electrical tin openers. Choose good health, low cholesterol and dental insurance. Choose fixed- interest mortgage repayments. Choose a starter home. Choose your friends. Choose leisure wear and matching luggage. Choose a three piece suite on hire purchase in a range of fucking fabrics. Choose DIY and wondering who you are on a Sunday morning. Choose sitting on that couch watching mind-numbing sprit- crushing game shows, stuffing fucking junk food into your mouth. Choose rotting away at the end of it all, pishing you last in a miserable home, nothing more than an embarrassment to the selfish, fucked-up brats you have spawned to replace yourself. Choose your future. Choose life... But why would I want to do a thing like that?

Clap!

Anônimo disse...

Eita texto bom! Me deixou com os olhos mareados no trabalho! Em daqui ha quase um mes eu irei comecar a me lembrar de como eu era há 30 anos, até agora esta muito dificil de lembrar....

PS: Porisso que eu prefiro ler do que escrever.....

Garbini mais velho

Maria Eugênia Ferreira disse...

Nao te conheço, nao lembro como cheguei aqui. Mas achei bom e compartilhei no meu facebook.

Com licença.

Anônimo disse...

Perfeito e depressivo.

Anônimo disse...

Perfeito e depressivo.

Rafael disse...

Também compartilhei no Facebook, como todo bom jovem alienado.

Parabéns pelo texto.